Haven: Uma Questão de Identidade

20/09/2012

A 3ª temporada da série baseada no livro The Colorado Kid estreia nessa sexta-feira nos EUA, e com ela, a promessa de responder muitas perguntas. Se você acompanha Haven, sabe que não é apenas a cidade que esconde segredos, mas também a protagonista. Quem é a verdadeira pessoa que ajuda os cidadãos com suas aflições? Audrey Parker? Lucy Ripley? Sarah? O que faz um indivíduo ser ele mesmo? Seu corpo, sua psique, suas memórias ou algo mais profundo?

Foi lendo sobre Doctor Who que me deparei com um capítulo muito interessante do livro Doctor Who and Philosophy, em que é feito um ensaio com vários artigos debatendo sobre a personalidade do Doutor – o que faz ele ser o Doutor regeneração após regeneração. Embora os textos sejam sobre várias pessoas como apenas um indivíduo, as informações apresentadas são o suficiente para debater outro assunto: uma pessoa como vários indivíduos. Na 2ª temporada de Haven, Audrey descobriu ter as memórias de uma agente do FBI (além de outras duas pessoas antes disso), fazendo-a se perguntar quem realmente é ela. Podemos trilhar pelo senso comum e dizer que a identidade se dá pela forma física. Afinal de contas, não é assim que você reconhece seus amigos na rua? Dessa forma, a personagem de Emily Rose não seria Audrey, Lucy ou Sarah. Caso encerrado. Mas se fosse assim, se a “verdadeira” Audrey Parker fizesse mechas, engordasse alguns kg e fizesse uma plástica no nariz, ela também não seria mais Audrey Parker. Isso também significaria que gêmeos seriam a mesma pessoa e que, se alguém na cidade pudesse se transformar em qualquer pessoa, ele deixaria de ser ele e seria a pessoa em questão. Obviamente, ter o mesmo corpo não é a solução.

Vamos deixar a parte física de lado. De acordo com o filósofo Derek Parfit, a identidade se dá pela conectividade psicológica, pela sua  continuidade. Na sua visão, um indivíduo existe como um clube ou um título – não é seu corpo que o define, mas um conjunto de ideias (por exemplo um presidente. O Brasil já teve 36 pessoas exercendo essa função, mas todos eles dão lugar a uma linha contínua que é “o presidente”). Considerando a sua teoria, se Simon Crocker tivesse matado a Lucy Ripley “original” enquanto Audrey estava com as suas memórias, Lucy continuaria viva por meio daquela que sobreviveu. Mas coloque-se no lugar dela. Imagine que você se encontra com uma pessoa que é psicologicamente igual a você. Um estranho chega no local e diz que vai te matar. Você fica tranquilo sabendo que a outra pessoa vai sobreviver? Não, você fica desesperado porque sabe que, embora a outra pessoa possua suas ideias, você vai morrer. Então a solução também não é a continuidade. Quem sabe a resposta seja de fato as memórias. John Locke descreve no Ensaio Sobre o Entendimento Humano uma teoria que leva em consideração tal critério. Basicamente, se você lembra, você é. Nesse ponto de vista, a protagonista genuinamente é Audrey Parker, e antes disso realmente foi Lucy e Sarah. Mas há um problema com essa teoria. Vamos dividir a vida de uma pessoa em três partes: sua infância, sua vida adulta e seus anos como alguém idoso. Até sua vida adulta, essa pessoa lembra de sua infância, fazendo com que sejam a mesma pessoa. No entanto, ao envelhecer, ela pode esquecer dos seus primeiros anos de vida. Isso significa que a pessoa idosa não é a mesma quando era criança? E nos casos de amnésia? Ao perder sua memória a pessoa perde sua identidade? Isso nos leva a considerar que haja um fator a mais. Um fator que chamamos de alma.

A teoria Junguiana afirma que ninguém nasce tabula rasa. Se fosse assim, todos os bebês se comportariam da mesma maneira. Eles podem agir num mesmo padrão, mas as sutis diferenças seriam relacionadas com algo que já veio com eles. Platão e Descartes defendiam a ideia da alma: algo imaterial responsável por suas decisões, credos e personalidade. O problema teórico da alma é o cérebro. Os cientistas já estudaram vastamente esse órgão, e até mapearam suas áreas. Dependendo a parte do cérebro afetada por uma doença ou um acidente, sua forma de ver o mundo ou tomar decisões é alterada (como o caso de Phineas Gage). Se a alma é responsável por essas coisas, então por que uma personalidade pode ser totalmente alterada por um cérebro danificado? Após passar por tantas teorias e considerar tantos ângulos, fica claro que identidade é algo subjetivo. Talvez a melhor maneira de ver essa questão é comparando a vida de uma pessoa com um seriado de TV. Haven é formado por vários episódios com características semelhantes. Ele  não é apenas o 1×07 ou o 2×03, mas o aglomerado de todas as histórias juntas. Essa pode ser a teoria que mais faz sentido. Nós não somos alguns eventos definidos, mas um aglomerado de situações.

Com a estreia da 3ª temporada, duvido que esses pontos sejam debatidos na série. Nós não sabemos direito como a aflição de Audrey funciona. É possível que entre essas memórias emprestadas, o verdadeiro self da personagem apareça, quem sabe até lembrando de suas “falsas” memórias. Mas independente das respostas dadas, acho que debates como esse são a graça das séries sci-fi. As histórias criadas podem não acontecer de verdade, mas fazem com que você reflita sobre a realidade. Podemos não ter chegado numa conclusão exata sobre identidade, mas acho que estamos no caminho certo sobre nosso lugar no mundo. Afinal de contas, “Penso, logo existo”.


Terças de Chocolate

20/03/2010

Spoiler Alert!

Lost – 6×08: Recon

UnLocke fez uma rápida parada no Templo para matar algumas pessoas (realmente, um monstro de fumaça reencarnado que já foi esfaqueado tem muito a se sentir ameaçado), e reuniu os sobreviventes com Sawyer e Jin. Claire, que está parecendo uma versão (ainda mais) bizarra de Norman Bates, finge uma amizade com Kate. Antes que a sardenta pudesse perceber a cilada, a nova Rousseau “deu uma de cylon” e quase a matou. Graças a intervenção física e emocional de UnLocke (se dependesse do Sayid e seu tom sociopata, a coitada já estaria morta), as duas voltaram a ser BFFs novamente (ou até Claire ter outro surto, porque agora, “Aaron tem uma mãe louca também”). Sawyer questiona uma decisão de UnLocke, e a revelação estilo “Luke, I am your father” é feita.  Uma vez com sua autoridade de volta, UnLocke manda James fazer um reconhecimento na ilha Hydra e descobrir qual é o status do avião Ajira. Chegando na ilha, ele passa pelas jaulas em que ficou preso na terceira temporada e lembra de Kate (bem fofo). As memórias são boas, mas ele tem que seguir em frente. James encontra Zoe, a suposta única sobrevivente do massacre do avião. No entanto, não se pode trapacear um trapaceiro. Zoe é da equipe de Widmore, que chegou na ilha com um submarino. Ele então faz um jogo triplo, oferecendo UnLocke e Widmore um ao outro e planejando sair da ilha com Kate no submarino. Não acho que isso será fácil, pois Charles sabe que pode confiar em Sawyer do mesmo jeito que Sawyer pode confiar em Charles; e ambos não são nada confiáveis (UnLocke também fica de fora do círculo da confiança).

Vigarista em uma vida, policial em outra. O flash-sideways mostra um James Ford ao lado da lei, e de seu parceiro Miles (adorei a relação entre os dois). Depois de usar a palavra mágica “LaFleur” e prender a esposa de um criminoso, Miles arranja um encontro para o solitário Sawyer. A ruiva com quem ele se encontrou não é ninguém menos que Charlotte Lewis, e os dois logo ficam íntimos. Mas, ele estraga qualquer chance de ter um relacionamento com ela ao ter uma reação exagerada (porém compreensível) quando Charlotte sem querer acha o “arquivo Sawyer” (ela também mexe no livro “Watership Down”, que apareceu na primeira temporada. Como eu amo essas sutis referências. Sem contar que no final, Kate diz que o jantar provavelmente é coelho). Ele também quase perde seu amigo e parceiro por conta de seus fantasmas do passado, mas tudo se resolve quando conta a verdade para Miles. Além de Charlotte, James cruza com o irmão de Charlie na delegacia e com a razão pela qual ele não sentirá muita saudades da Srta. Indiana Jones: uma perseguição o leva direto para Kate! Será que ele vai ajudá-la a resolver seus problemas com o Tio Sam?


Terças de Chocolate

12/03/2010

Spoiler Alert!

Lost – 6×07: Dr. Linus

Depois de Jack tendo um “piti” no farol de Jacob e Sayid com “crazy eyes”, o episódio da semana é focado no Dr. Linus. Nada melhor (e clichê) que começar com o personagem em questão correndo desesperadamente pela floresta com uma música frenética de fundo. Ele encontra com Ilana e cia e chega todo autoritário, respondendo que Sayid matou duas pessoas (porque nessa ilha tudo se resolve com uma facada no peito) e que todos devem ir para a praia. “Anybody else got a better idea? No? Tsc, losers…” No entanto, Ilana pede para Miles analisar as cinzas de Jacob e ver como ele morreu. Sutilmente, Miles diz “Dude, o Linus matou o cara”. E, a partir de então, ele começa a cavar sua própria cova. Jack e Hurley estavam voltando para o Templo, quando Richard aparece e os leva para o Black Rock. “Então, Jacob me “tocou” e eu não posso me matar” (preciso concordar com Hurley, isso parece coisa de Exterminadores. A não ser a parte de ser tocado..). Jack acende o pavio da dinamite e diz que nem vai dar nada. Queria que tivesse explodido só para tirar aquele sorriso do rosto dele. Jack me irrita nessa temporada. Voltando para Ben, UnLocke aparece, diz que ele poderá ser o encarregado da ilha, o solta e, de presente, lhe deixa uma arma na floresta. Considerando que UnLocke acha que a ilha não precisa de um encarregado, acho que tem algo aí. Felizmente para Linus, Ilana se comove pela história do amor não correspondido de Ben e o aceita de volta. Acho que o sr. Smoke Monster não ficará muito sorridente com isso. Em câmera lenta, Ben volta para o acampamento, o safadinho do Miles contempla suas “pedras” e, com o regresso de Jack, Hurley e Richard, todos se abraçam bem felizes (menos Linus e Richard).

No flash-sideways, em vez de um amoral egocêntrico Ben, temos um patético professor de história. Mas, se tem uma coisa que os Irmãos Coen nos ensinaram, é que os patéticos são os primeiros a planejar grandes golpes (que, eventualmente, acabam em uma grande merd*). Linus estava todo triste porque tinha que ficar na detenção e o outro estava reclamando do formaldeído na camisa, quando o Locke aparece e vai “Eu acredito em você, bro”. Ben já começa a ter pensamentos maquiavélicos. Então Linus aparece cuidando de seu pai, e percebemos sua imediata mudança. Pela primeira vez, um personagem sideway fala sobre a existência da ilha. “Imagine como nossas vidas seriam se tivéssemos ficado”. “Sim, eu teria um grande ressentimento por você e faria qualquer coisa para ter a aprovação de Jacob. E claro, uma vez que eu não a tivesse, me deixaria ser influenciado pelo Smoke Monster reencarnado no corpo de uma pessoa que eu matei e mataria Jacob também”. A campainha toca e Alex aparece (o/). Assim como ela foi um fator crucial na vida de Ben na ilha, também se torna no sideways, determinando o caráter desse novo Ben. Por um momento achei que sua versão amoral teria vencido mas, ele opta pelo futuro de Alex antes de seu próprio. Fica óbvio que certas situações mudam um indivíduo, principalmente Jacob e a ilha.

Para o cliffhanger do dia, temos o senhor Widmore chegando na ilha. E ele seguirá como planejado.


Terças de Chocolate

19/02/2010

Atenção: Spoilers Abaixo

Lost – 6×04: The Substitute

Um episódio de respostas. A trama deixou um pouco a desejar, mas descobrimos o plano de Jacob, a razão de Jack e amigos serem os sobreviventes do voo 815 e tivemos mais uma pista sobre os números amaldiçoados. Enquanto Locke do flash-sideways ajudava a planejar seu casamento com a Katey Sagal, se encontrava com Hugo, Rose e Ben e se tornava um professor substituto, o substituto no corpo de John recrutava Sawyer para sair da ilha. Jacob tinha todo esse esquema para que um dos sobreviventes virasse protetor da ilha, e o menino da floresta não ficou nada feliz com o Homem de Preto por ter matado indiretamente Jacob. No entanto, acho que deveríamos ter um pouco mais de fé no Smoke Monster. Talvez a ilha realmente não precise de um protetor, e tudo o que aconteceu com o pessoal do voo da Oceanic não passou da consequência de uma opinião errada. E fica a pergunta: Será que Kate é uma candidata? Ou a ilha teria outros planos para a sardenta?


Terças de Chocolate

13/02/2010

Atenção: Spoilers Abaixo

Lost – 6×03: What Kate Does

Já esperava que o terceiro episódio fosse mais fraco, considerando a emocionante season premier. Não foi das melhores histórias, mas era definitivamente necessária. Embora a trama tenha focado mais na relação Kate-Claire nos Flash-sideways e Kate-Sawyer na ilha, também pudemos descobrir mais coisas sobre Os Outros do templo e sobre a ressureição de Sayid. Não acho que um fugitivo do FBI interromperia sua fuga para ajudar uma garota grávida. No entanto, estamos falando de uma personagem boa, que cometeu apenas um erro no passado, então vale. O importante aqui é mostrar que a interação entre os personagens não irá mudar, estejam eles na ilha, em LA ou em qualquer lugar do mundo. Aquele “feeling” sobre a possível outra realidade que percebi em Jack em LA X se repete com Kate, que claramente reage ao nome de Aaron. Quanto ao Sawyer, ele precisava de um fechamento de sua relação com Juliet, representado pelo anel de noivado. Aquele momento de vulnerabilidade permitiu que ele pudesse seguir em frente. A trama foi centrada em Kate, mas o cliffhanger ficou por conta de outros dois fatores. A suposta “infecção” de Sayid e o que ela pode fazer (a mesma doença que afetou a tripulação dos franceses? Poderia ser manifestações do Sr. Smoke Monster?) e a reaparição de Claire em Rousseau style provavelmente infectada. O que aconteceu com ela durante todo esse tempo? Sinto a presença de Christian Shephard? E seria ele mais uma manifestação do Smoke Monster?


Terças de Chocolate

07/02/2010

Atenção: Spoilers Abaixo

Lost – 6×01 e 6×02: LA X [Final Season Premier]

Não existem muitas coisas no mundo que me emocionem tanto quanto um roteiro bem escrito, e a season premier de Lost realmente me emocionou. A maior pergunta do final de temporada foi se o botão de reset teria funcionado, e a resposta vem logo no começo do episódio…ou quase. Uma das características que eu mais gosto da 5ª temporada é o arco “fora da ilha” contrastando com o “na ilha”. Neste último ano, os produtores vão além: temos o arco “realidade dos que caíram na ilha” e “realidade dos que não caíram na ilha”. Claro, partindo do pressuposto que a combinação “bolsão de energia + bomba de hidrogênio = realidade alternativa”. De acordo com o Dr. Bishop, de Fringe, um déjà vu seria uma “lembrança” de um mundo paralelo; e Jack quase reconhece Desmond no avião. Mas, independente de ser uma realidade alternativa, acho que a pergunta principal é: “Em algum ponto, os personagens da ilha e fora da ilha irão se tornar apenas um?”

Todos os rastros da ilha foram apagados na nova realidade; até os números não são mais malignos. Todos os personagens estão vivos e continuam normalmente com suas vidas – desde Jack lidando com a morte de seu pai e Kate sendo presa pelo FBI até John na cadeira de rodas e Charlie com seu vício em drogas. Até então eu concordava com o Homem de Preto/John Locke. Todos que caíram na ilha tinham vidas patéticas, e a ilha lhes proporcionou uma nova chance. No entanto, na segunda parte do episódio temos uma amostra de que os protagonistas podem mudar o sentido de suas vidas para melhor. Uma amostra que, de fato, nada é irreversível. E fica claro que não importa onde os passageiros do vôo 815 estejam, suas vidas estão destinadas a se cruzar.

Enquanto isso, a tragetória dos personagens na ilha não mudou muito, a não ser que a diferença no tempo continuo foi acertada. Todos continuam onde estavam, o que infelizmente também significa que Juliet caiu no poço do bolsão de energia, ficou presa entre escombros metálicos e acabou morrendo (Elizabeth Mitchell deixou a ilha para lutar contra extraterrestres em V). Sun e Lapidus estão com Os Outros e com o Homem de Preto/John Locke. Podemos não saber todos os segredos do Monstro de Fumaça, mas pelo menos descobrimos sua “identidade”. Também, que a única coisa que parece poder pará-lo são cinzas de algum tipo. Para salvar a vida de Sayid, Hurley segue o plano do falecido Jacob e convence seus amigos a levá-lo ao templo. Lá conhecemos o que parece ser uma segunda parte dos Outros, e é nesse ponto que são criadas a maioria das pergundas desse grandioso começo de temporada.

A lista contém apenas o nome de Sayid ou também de todos os outros protagonistas que estão no templo?

Consequentemente, somente a morte de Sayid pode trazer um final infeliz para aquelas pessoas ou a morte de Kate ou Hurley pode levá-los ao mesmo caminho?

Por que a fonte aparentemente curadoura não funciona mais?

Sawyer acreditou em Miles/Juliet quanto a afirmação que o reset funcionou?

Por que o pessoal do templo tem medo do Homem de Preto/John Locke/ Monstro de Fumaça?

Foi Sayid que ressuscitou ou Jacob está usando seu corpo?

Lost começa respondendo algumas perguntas e deixando muitas outras. E é isso que faz a trama dos sobreviventes ser tão boa e fãs como nós obcecados por diversas teorias. Bem vindos de volta a ilha.